Casca esférica carregada (TA-Fis3) #2
Campo elétrico produzido no interior de uma casca esférica (PARTE 2): qual é a influência da espessura da casca na intensidade do campo elétrico?
Na PARTE 1 discutimos o problema do campo elétrico produzido dentro e fora de uma casca esférica carregada com densidade superficial de carga . Neste exemplo, vamos discutir o mesmo problema; porém, considerando uma casca de espessura não desprezível. A ideia é compreendermos o comportamento do potencial e campo elétrico dentro da casca. O cálculo do campo elétrico é facilmente demonstrado com a Lei de Gauss, mas assim como fizemos anteriormente, faremos uma caminhada maior por meio de integração. O procedimento abaixo é interessante quando desejamos fortalecer a base matemática do cálculo, pois não é muito comum trabalharmos com integração de funções modulares na graduação, conforme veremos a seguir.
Para resolvermos o problema por integração, considere uma casca esférica de espessura não desprezível:
(1)
em que é o raio externo da casca e
o raio interno, conforme ilustra a Figura 1.

Figura 1. Representação esquemática de uma casca esférica de espessura não-desprezível
Com isso, devemos atribuir uma densidade volumétrica de carga para o corpo:
(2)
em que é a carga elétrica total. Para o cálculo do campo elétrico, vamos considerar que o corpo é formado por infinitas cascas esféricas concêntricas. Assim, podemos partir do resultado obtido na PARTE 1 para o potencial elétrico:
(3)
em que deve ser reescrito em função de
. Para isso, considere o volume da casca esférica que pode ser reescrito em função da fatoração dos termos cúbicos:
(4)
Substituindo (equação 1) na equação 4, obtemos:
(5)
O elemento de volume da casca (em vermelho na figura acima) é obtido a partir da derivada da equação 5 em relação à espessura
:
Considerando que para a casca de volume
, obtemos
. Considerando
na figura acima, obtemos:
(6)
Com a equação 6 é possível escrever a densidade volumétrica de carga da seguinte forma:
em que é a carga elétrica da casca de espessura
. O termo
representa a densidade superficial de carga; portanto:
o que permite escrever:
(7)
Substituindo a equação 7 na equação 3 podemos calcular o potencial elétrico que a casca de espessura produz em P:
(8)
A equação 8 deve ser resolvida sempre considerando que o resultado dos termos dentro do módulo seja sempre positivo. Isso implica em três condições para análise deste problema:
- A coordenada
está fora da esfera ou sobre sua superfície externa: esta condição significa que
e como o termo
da equação 8 deve ser positivo, aplicamos
com
integrado no intervalo
.
- A coordenada
está dentro da esfera ou sobre sua superfície interna (região de vácuo): esta condição significa que
e como o termo
da equação 8 deve ser positivo, aplicamos
com
integrado no intervalo
.
- A coordenada
está dentro da casca: esta condição significa que
e como o termo
da equação 8 deve ser positivo, aplicamos
com
integrado no intervalo
e
com
integrado no intervalo
. Este cálculo deve separar a equação 8 em duas integrais.
O potencial elétrico fora da esfera () é dado por:
(9)
Substituindo a equação 2 em 9, obtemos:
(10) (potencial elétrico fora da casca)
que é o potencial elétrico produzido por uma partícula pontual, em acordo com o que calculamos na PARTE 1. Para dentro da esfera na região de vácuo (), o potencial elétrico é dado por:
(11)
Substituindo a equação 2 em 11, obtemos:
(12) (potencial elétrico dentro da casca na região de vácuo)
A equação 12 pode ser reescrita a partir da fatoração dos termos quadráticos e cúbicos que estão entre parênteses e a substituição (equação 1):
que pode ser reescrita como:
(13) (potencial elétrico dentro da casca na região de vácuo)
Podemos reescrever a equação 13 colocando em evidência no numerador e denominador do segundo termo entre parênteses:
e aplicando a condição para uma casca esférica de espessura desprezível ():
obtemos a seguinte expressão:
(14) (potencial elétrico dentro de uma casca esférica muito fina)
que é o potencial elétrico encontrado na PARTE 1 para a região interna de uma casca esférica com espessura desprezível. Com este resultado, podemos assegurar que as equações 12 e 13 estão corretas ao descrever o potencial elétrico na região interna de uma casca esférica com espessura qualquer. Podemos também utilizar a equação 13 para avaliar a condição . Este caso indica que
, o que significa que estamos aproximando a casca esférica de uma esfera maciça, em que
é aproximadamente o raio da esfera. Para obter uma expressão do potencial elétrico nesta condição, vamos reescrever a equação 13 colocando
em evidência no numerador e denominador do segundo termo entre parênteses:
e aplicar a condição :
o que resulta na equação:
(15) (potencial elétrico no centro de uma esfera maciça)
Este mesmo resultado pode ser obtido com a resolução do problema 6 que está na minha lista de exercícios sobre potencial elétrico [1, 2]. Para chegar neste resultado basta calcular o potencial elétrico até o centro da esfera. O fator 3/2 representa a contribuição do potencial elétrico calculado do infinito até a superfície da esfera (67% de contribuição) e a contribuição do potencial elétrico calculado da superfície da esfera até seu centro (33% de contribuição) [2]. Como as equações 12, 13, 14 e 15 não dependem da distância , o potencial é sempre constante na região interna, mostrando que o campo elétrico é sempre zero, independentemente da espessura da casca. A Figura 2 apresenta o comportamento gráfico da equação 13 em função da razão
. Para fins de simplificação do modelo foi adotado
V
cm e
cm. Os dados mostram que as equações 14 e 15 são satisfeitas para
e
, respectivamente, com uma visualização clara dos três modelos possíveis para estudo (casca com espessura desprezível, casca com espessura não-desprezível e esfera maciça).

Figura 2. Potencial elétrico dentro da casca (região de vácuo) em função da razão t/a.
O potencial elétrico dentro da casca é dado por:
(16) (potencial elétrico dentro da casca esférica)
Para validar a equação 16 vamos aplicá-la nas condições de fronteira:
que é o mesmo resultado obtido para na equação 11. Similarmente para
temos:
que é o mesmo resultado obtido para na equação 9. Portanto, podemos assegurar que a equação 16 descreve o potencial elétrico corretamente dentro da casca. Substituindo a equação 2 na 16, obtemos uma expressão em função da carga total:
(17) (potencial elétrico dentro da casca esférica)
Com as equações 10, 12 e 17 é possível traçar o gráfico do potencial elétrico ao longo da distância , conforme ilustra a Figura 3. Neste caso, foi adotado
V
cm,
cm e
cm, com a coordenada
variando entre 0 e 5 cm.

Figura 3. Potencial elétrico em função da distância radial produzido por uma casca esférica de espessura não-desprezível.
O campo elétrico na região é dado diretamente pela aplicação do operador gradiente nas equações obtidas para o potencial elétrico:
(18)
Finalmente, a representação gráfica do campo elétrico é apresentada na Figura 4. O campo elétrico é zero dentro da casca, proporcional à distância radial dentro da região material da casca e inversamente proporcional à distância radial fora da casca. Para simplificação do modelo, foi considerada a permissividade elétrica do vácuo no meio material.

Figura 4. Campo elétrico em função da distância radial produzido por uma casca esférica de espessura não-desprezível.
A equação 18 pode ser ajustada para descrever o campo elétrico produzido por uma esfera. Para isso, basta aplicar e substituir a equação 2:
(19)
Como disse no início desta discussão, os resultados das equações 18 e 19 também podem ser obtidos diretamente com a lei de Gauss [3, 4]. O campo elétrico em função da distância radial para diferentes valores da espessura da casca é apresentado na Figura 5 (descrição no meio material). Os dados mostram que não existe uma mudança descontínua do campo elétrico entre as regiões interna e externa da casca, conforme apresentado na PARTE 1. Existe uma função bem definida que descreve a transição entre as regiões, e que se torna mais abrupta conforme a espessura da camada é reduzida devido ao aumento da densidade volumétrica de carga na região (usei a equação 18 para traçar as curvas - que fixa o valor total da carga da esfera). O campo elétrico para adquire valores pequenos; porém, aumenta linearmente com a coordenada
, conforme descrito pelo resultado da equação 19.

Figura 5. Campo elétrico em função da distância radial produzido no meio material da casca para diferentes valores de sua espessura.
Referências
[1] DUARTE, D. A., Lista 4 (Potencial Elétrico). Problema 6.
Disponível em https://diegoduarte.paginas.ufsc.br/lista-de-exercicios-fisica-3/.
[2] DUARTE, D. A., Videoaula: Potencial elétrico.
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=qAOnJgU9C70&t=6163s.
[3] NUSSENZVEIG, H. M. Curso de Física Básica 3: Eletromagnetismo. 1. ed. São Paulo: Edgard Blucher, 1997.
[4] DUARTE, D. A., Videoaula: Lei de Gauss.
Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=BWtVdBIG0M4&t=3161s.